domingo, 29 de agosto de 2010
Sarau da Cesta em Agosto publica "Entrevista com o Coletivo Poesia Maloqueirista" - Pra tudo e pra todos tem jeito e tem gente. A gosto pra tudo ! ! !
1-Quando surgiu a ideia de fundar o Coletivo Poesia Maloqueirista?
Caco Pontes - Em meados de 2002, quando Berimba e Renato Limão estavam no rolê difundindo seus libretos na rua, surgiu a ideia de criar um nome que pudesse definir aquela movimentação, algo como uma grife, marca - que rola, por exemplo, no universo da pichação - e, quando certa vez, provocado por uma colega de trabalho, onde Berimba cumpria a função de Office-Boy, sobre que tipo de poesia fariam, sendo que já havia existido modernista, dadaísta, concretista, ela mesma emendou: maloqueirista? Ironicamente, Berimba gostou da sugestão sarcástica, propôs ao Renato o tal nome e a partir daí foi apropriado o conceito que passou a reproduzir naturalmente efeito iconoclasta, considerando mesmo o nascimento do nome de batismo, algo insinuado. Logo em seguida me aliei a eles, cruzava os caras na porta do Centro Cultural SP, quando também já começava a dar meus primeiros passos rabiscando uns versos e botando pra circular o primeiro libreto, a partir de 2003, sendo que minha primeira investida foi vendendo libretos do Renato, em temporada de início de ano nas ruas de Paraty, pois estava falido e precisando de grana pra retornar à capital. Em 2004 conhecemos o Pedro Tostes, também pelas ruas de Paraty, na ocasião da 2a.FLIP, quando nos juntamos em intervenções urbanas performáticas, ironizando a programação oficial, auto-intitulando-nos o Off do Off da FLIP, ou ainda Off-Ofó da FLIP. Daí nascia o que viria a ser o "Coletivo Poesia Maloqueirista".
2-A quanto tempo vocês escrevem? O que a poesia significa nas suas vidas?
Caco Pontes - Tenho até hoje um primeiro caderno de reportagens sensacionalistas, que eu fazia quando devia ter cerca de 9, 10 anos e quando revisito este, fico impressionado com tamanha sacanagem e deboche que desenvolvia naquela espécie de diário, onde usava recortes de revistas, jornais e criava minhas próprias matérias, furos de reportagem, rs. Cheguei a fazer uma, quando na época a Dercy Gonçalves desfilou para uma escola de samba, com seios a mostra, nem lembro ao certo o ano, mas certamente na transição entre 80/90, um fato que polemizou e marcou aquele período... Mas poesia mesmo, com a pretensão de escrever em verso, buscando aliar sentimento a forma, foi a partir dos 17, 18 anos, nos primeiros delírios psicodélicos, em viagens de ônibus, voltando do centro para o subúrbio do lado leste de São Paulo.
E sobre o que ela significa em minha vida, meio complexo de responder, mas tem um poema inédito meu que diz o seguinte: poesia é o aluguel da vida / e quando estiver cansado / da especulação imobiliária / basta se tornar proprietário / de uma obra / literária.
3-Vocês tiveram apoios para a fundação do Coletivo? Como ocorreu? Quais parcerias aconteceram até hoje?
Berimba de Jesus – O apoio foi de nós para nós mesmos, durante um bom tempo, a gente incomodava (e também agradava), entrando em bar, restaurante, fazendo intervenção de poesia, sem medir consequências, no impulso juvenil mesmo, na praça pública, nos saraus, até que começamos a organizar evento (C.A.I-MAL - Centro de Ação In-formal), produzir a revista alternativa Não Funciona , tudo na raça, se endividando na copiadora do Nélio, pra pagar depois do evento, onde cobrávamos uns 3 reais de entrada, com direito a um exemplar da publicação, sendo que muita gente largava o material na "balada" e a gente reciclava pegando de volta; foram vários sufocos, roubadas, até que começamos a freqüentar algumas atividades do circuito literário, tornando-nos benquistos por alguns e pedra no sapato pra tantos outros, coisa que acontece até hoje.
Pedro Tostes – Tivemos de fato uma época bem barra pesada, fazendo fiado no xerox, bancando todos os riscos e voltando pra casa com o bolso furado. Mas com o tempo e um pouco mais de organização fomos conseguindo tocar projetos mais sólidos como a Revista Não Funciona. Alguns apoios nesse caminho rolaram, como com o Programa VAI, que ajudou por um bom tempo com a revista. Mas o grande apoio e os grandes parceiros que temos são os diversos movimentos que estão correndo junto nesse cenário.
Caco Pontes - Passada quase uma década, pra alguns de nós veio filho, casamento, separação, cobranças do mundo material de assumir postura mais séria em relação ao trabalho, para manter a sobrevivência, e fomos transformando o mero desbunde em realizações determinantes, então começou a pintar um cachê aqui, outro acolá, não deu pra fazer aquisições ou mudanças muito significativas, mas tem melhorado e é natural que isto aconteça, trabalhando com tanto empenho no decorrer de todos estes anos; na verdade a situação poderia estar até um pouco melhor, se talvez tivéssemos um registro de CNPJ, mais organização, mas agora com uma produtora correndo junto, a Vani, com sua experiência, sem deixar de ter a nossa identidade e atitude, a coisa tem fluído com maior disciplina no intuito de difundir de forma ampla o nosso trabalho.
4-Poderiam relatar a reação/relação da comunidade do bairro quando começaram os saraus?
Caco Pontes - Interessante pensar por este ângulo, pois o nosso agrupamento nasceu de um jeito bem difuso/peculiar nesta questão "territorial": eu vinha da Cidade Tiradentes, o Berimba de Taboão da Serra (aonde vive até hoje), Pedro, recém-chegado do RJ, morava no Jd. Bonfiglioli (mudou-se recentemente para o Centro), Renato Limão se dividia entre eventuais hospedagens na casa dos avós, em São Mateus, e em hóteis baratos, da região central, daí no final das contas a gente acabava interagindo no fluxo da boemia, do nosso jeito mambembe, performando e rodando chapéu, geralmente na Vila Madalena-Centro, que foram locais aonde encontramos condições de estabelecer nosso trabalho, além de ponto de encontro com várias figuras bacanas e os rolês pelas quebradas sempre foi algo espontâneo, prazeroso, como frequentar o Sarau do Binho ou a Cooperifa, sem precisarmos bater no peito dizendo que somos deste ou daquele lugar, pois apesar de respeitar que as raízes possam se firmar assim, não creio que seja o caminho único e da verdade absoluta, afinal nossa identidade nasceu a partir das ruas, fosse em SP, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte. Nos últimos tempos estamos com base firmada no Morro do Querosene (que é o bairro que eu habito há 4 anos), de maneira que fomos construindo relações firmes de parceria com iniciativas da comunidade local, como o extinto (ou em recesso) Sarau do Querô, capitaneado pelo poeta Paulo Almeida, que foi quem nos apresentou ao Dinho Nascimento e família (Gabriel, Cecília, Tainá), com os quais desenvolvemos coisas bem legais até hoje, além da Ana Flor, filha do Tião Carvalho, organizador da Festa do Boi e Grupo Cupuaçu, entre outros. E o mais interessante disto tudo, é termos nossa identidade construída no cruzamento entre a cultura urbana e popular, coisa que a rua - nossa maior escola - mostra e permite naturalmente.
Pedro Tostes – Essa pergunta não faz muito sentido para um grupo como o nosso. Nosso coletivo não nasceu por uma precisão geográfica. O ponto de encontro e de realização do grupo sempre foi a rua. Organizar um sarau foi uma consequencia de um momento em que o grupo sentiu que precisava criar essas raizes, e a opção pelo centro foi justamente ligado a nossa história, ao fato de que era aqui no centro que vendiamos poesia nas ruas, nos bares, nas portas de espaços culturais e cinemas, sempre aquela velha ladainha ´lá eu a perguntar sempre – você gosta de poesia?’.
5-Nestes anos, vocês perceberam uma mudança na relação das pessoas da área do Centro Cultural (centros urbanos, universidades) com a literatura e a poesia?
Caco Pontes - Ah, sem dúvida devo reconhecer e admitir que ajudamos a construir um cenário que hoje fervilha, na prática e popularização da poesia e literatura, quebrando certas barreiras sociais, falando a língua do povo, possibilitando este acesso, com tremendo respeito e admiração pela caminhada de figuras como Binho, Sérgio Vaz, Marco Pezão, Ana Rüsche, Rui Mascarenhas, cada qual a sua maneira, estilo, bem como nós, mais novos na trajetória do que estes que citei e, talvez um pouco mais experientes em relação a outros que chegaram na sequência, mas que sem dúvida nos relacionamos no mesmo nível, com afinidade, como por exemplo com os parceiros do CICAS, Bebeto e Maicknuclear, Michel Silva e Raquel Almeida, do Elo da Corrente, além de uma galera provavelmente mais contemporânea a nós, como Rodrigo Ciríaco, Daniel Minchoni, Carlos Galdino, Cláudio Laureatti, fora nossos heróis de resistência como Sônia Pereira, Pilar, Maurício Marques, Rubens Augusto, os grafiteiros do Imargem, Jerry, Jonato, Vini, Mauro, Tim, e tantas outras pessoas valiosas que não caberiam nestas linhas, mas que não são menos importantes, pelo contrário, todos que em algum momento estiveram aliados conosco são essenciais ao nosso contexto e trajetória.
Pedro Tostes – Para falar a verdade eu não vejo muita mudança na relação da maior parte das pessoas com a poesia não. Existem sim muitos movimentos interessantes de pessoas dispostas a fazer boa poesia e que buscam difundir seu trabalho de uma forma mais ampla, a fim de levar a poesia a mais pessoas. Mas para a maior parte das pessoas a poesia continua sendo uma esfinge, uma linguagem desinteressante. No entanto quando vendíamos nossos livretos na rua, muitas vezes as pessoas se surpreendiam e não acreditavam que “aquilo” podia ser poesia. Tinham gostado. Então muitas vezes a ponte que é preciso fazer é a entre o artista e o público, uma relação imediatizada, que independe da chancela de editores ou críticos.
6-Comenta-se que alguns chamam o sarau de ‘movimento dos sem-palco’. O que pode ser falado sobre isto?
Caco Pontes - É mesmo? De onde será que surgem estes comentários? Porque se for do atual círculo literário, que se considera cânone anacronicamente, nem dou importância, aliás como diz meu parceiro Lucas Moreno, vulgo Xicó, as coisas têm a importância que damos a elas. Costumamos dizer na Poesia Maloqueirista que somos "caras-de-palco!"
Pedro Tostes – Independente de quem faz a crítica, o importante é ressaltar que o sarau é uma forma de expressão e movimentação poética. Essa provocação poderia vir num sentido de que no sarau pessoas que não teriam como se expressar, tem. Para mim, isso é positivo. Como dizia Cairo Trindade, “a praça é do povo, menos o banquinho, o palanque e o microfone” Na expressão e com a oportunidade de conhecer e ler outros poetas, muitos bons poetas afloram. Como em qualquer lugar. No cânone literário tem muita coisa discutível, o que é provado pela própria academia que o define.
7-Não se trata de uma literatura melhor que a produzida pelos acadêmicos, mas também não é menos importante. O que se pode comentar a respeito de frases deste tipo?
Berimba de Jesus – Acho que figuras que vivem a fazer comparações como se fossem os donos da verdade, se esquecem de Lima Barreto, João Antonio, entre tantos outros que foram marginalizados em sua época, mas que hoje estão na academia sendo estudados ao lado de grandes nomes como Homero, Camões... Acho que tem gosto pra tudo e que não é tudo que se pode chamar de literatura ou poesia.
Pedro Tostes – Essa frase demonstra preconceito e desconhecimento. Acadêmico estuda e faz tese. Quem faz poesia e literatura é poeta e escritor. E poeta e escritor pode surgir de diversos lugares, entre eles a academia. Se o que se discute é se essa literatura é tão boa quanto o cânone, não sou santo pra querer ser canonizado. Eu sou escritor, eu quero é ser lido - como já ensinava Drummond.
Caco Pontes - Me parece que sempre existirão comparações, elas enchem o saco, principalmente quando partem daquelas figuras que se valem por cagar referências, mas talvez isto tenha sua necessidade de existir pra estimular certos debates, abrindo as possibilidades de reflexões, horizontes, embora o problema disto é que a tendência na maior parte das vezes cai na punheta mental, polemizações cansativas e falta de soluções práticas.
8-Vocês poderiam relatar esta transformação das pessoas que não tinham contato com a arte e agora (através de saraus) são artistas com livros editados e intérpretes de poesia?
Caco Pontes - Progresso, sem ordem estabelecida, virada do jogo, tomada do cenário, muito bom, digno, merecido, especialmente quando a questão egóica não ultrapassa a simplicidade, espontaneidade, resvalando para o glamour e status, tal qual dos pequenos-burgueses que até então monopolizavam esta produção.
Pedro Tostes – Acho que posso relatar sim essa transformação, e fico feliz de poder ter visto muitas pessoas que mal pensavam que podiam ser poetas hoje serem poetas publicados, atuantes, buscando criar novos espaços, labutando sua obra em todos os sentidos. Acho interessante e vital que as pessoas possam, sem distinção de origem ou de formação, exercer e buscar o seu caminho na poesia e nas artes como um todo. Isso valoriza a pessoa, faz buscar novas coisas para sua vida. Dessa diversidade pode surgir uma criatividade insuspeita, exatamente por não estar presa a padrões pré-determinados do que é ou não poesia.
9-Estão surgindo ou surgiram coletivos/movimentos como a Malocália em outros locais?
Caco Pontes - A cada instante, em todos os cantos do país e do mundo; a questão é: quais irão permanecer pra posteridade...
Pedro Tostes – A posteridade é o menos importante. Mais importante, e condição sinequanon, do que entrar para a história é fazer parte da história. E isso só acontece no dia a dia, vivendo o tempo de hoje. O fato de surgirem coletivos trabalhando com a poesia e outras linguagens de uma forma criativa é sinal de um viço artístico desse momento.
Berimba de Jesus – Há diversas formas de trabalhar com a arte, e artista é como mato, tem em qualquer lugar, então, experiências como a Malocália surgem a todo momento.
10-Qual a contribuição da Malocália/ Maloqueiristas para o estímulo a estas iniciativas culturais?
Pedro Tostes - Acho que a nossa colaboração é toda essa história de militância na rua e agora nos espaços com eventos e saraus. Somos formigas fazendo a nossa pequena parte sem saber muito bem porque. “O piano é um instrumento difícil de carregar, mas sempre tem alguém para carregar o piano”(Felipe Cataldo)
Berimba de Jesus - É muito gratificante ser abordado por gente de todas as idades, classes socias, raças, credos, opções sexuais, dizendo ter se identificado com o que a gente faz, porque está longe de ser unânime o que fazemos, mas o bacana disso tudo é que o lance é bem singular, sem meio termo mesmo, parece que não tem só um "achar legalzinho", saca?
Caco Pontes - Malocália é nossa contribuição milionária de todos os erros e acertos, é assumir referências ao passo que as negamos, os manifestos que já estão na rede virtual apontam estes caminhos; ainda provocaria aqui fazendo uma paródia: Eu satirizo um movimento, desconstruo o carnaval, eu vandalizo um monumento no planalto central do país.
11-Gostariam de fazer considerações finais?
Berimba de Jesus – Faço uma citação a Pietro Aretino: a poesia é o mais poderoso antídoto contra a moléstia das algibeiras e o mais forte apanágio da estupidez.
Pedro Tostes – Acho que no fundo todo esse discurso é uma farsa. A grande verdade é que a gente faz poesia porque acha legal. Porque é divertido. E somos um coletivo e continuamos assim porque somos amigos e conseguimos conviver na medida do possível com os nossos defeitos. O resto é tudo pose.
Caco Pontes - Aos poucos, daqui até 2012, como diria o pessoal do 1/2 dúzia de 3 ou 4 "O fim está próspero", rs. Por enquanto, sugiro que acompanhem as empreitadas de nossa desorganizada-organização, lá: poesiamaloqueirista.blogspot.com
Avant!
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